LIDERAR DESEMPENHOS: DAS CAVERNAS ÀS REDES

A origem de todas as estruturas organizacionais foi a necessidade de fazer cumprir rápida e exatamente as ordens do comando superior. Talvez isso venha de quando o primeiro chefe Brucutu no tempo das cavernas deu ordem para alguns saírem para a caça, enquanto outros ficariam defendendo as fêmeas que, por sua vez, recebiam atribuições de cuidar da cria sob as ordens daquela que pertencia ao mais forte do bando.

Quando o número de pessoas a serem comandadas foi chegando aos milhares – como no exército romano, por exemplo – a solução encontrada foi o agrupamento de dez soldados comandados por um decurião, subordinados dez deles a um centurião e que formavam legiões. A lógica ainda era a unidade de comando e obediência irrestrita ao chefe supremo. Ao se organizar a Igreja adotou o mesmo critério e as empresas até as últimas décadas seguiram o modelo criando organogramas em árvore, hierarquia rígida, descrição detalhadas dos processos para garantir – exatamente como nas cavernas e exércitos romanos – que as ordens dos dirigentes supremos fossem cumpridas.


Os organogramas tradicionais alinhavam a estrutura de cargos e descreviam as funções esperadas de quem os ocupavam, independentemente das pessoas que os exerciam. A avaliação de desempenho valorizava quem obedecia corretamente o que se esperava da função e cumpria metas que eram impostas desde os níveis superiores. As competências eram aquelas que qualificavam alguém para exercer a função, os comportamentos valorizados eram os de conformismo com as diretrizes da alta direção e o melhor gestor era aquele que aceitava as ordens de cima e fazia com que seus subordinados as obedecessem.

Esta forma de pensar a organização foi se mostrando ineficaz quando a dinâmica dos negócios, diversidade de mercado, sofisticação dos processos produtivos levavam a se pensar que cabia aos cargos superiores cuidar da estratégia, a execução aos cargos operacionais e, no meio deles, os cargos gerenciais com funções táticas.  Ainda hoje é encontrada em muitas descrições de cargos a separação entre as “áreas fim” e “áreas meio”.  Era progresso, mas não representava o que de fato acontecia na realidade: fossem quais fossem os cargos, sua hierarquia e funções, havia alguns processos agregadores de valor em uma cadeia que começava com a compra da matéria-prima e concluía com a plena satisfação do cliente; outros processos davam suporte a que esta cadeia agregadora de valor fluísse bem.

O desempenho a ser valorizado deveria ser o de quem operasse esta cadeia e entregasse ao elo seguinte ao seu mais valor do que tinha recebido; e as competências técnicas definidas a partir dos conhecimentos e habilidades para fazer as entregas em cada elo e as atitudes o compromisso com o elo final: a plena satisfação do cliente. Surgiu então o conflito entre a estrutura centralizadora do velho organograma e suas metas apontando para a obediência ao comando funcional e os gestores que, na cadeia agregadora de valor, orientavam-se para a satisfação do cliente. A solução foi criar uma estrutura de projetos, com metas dinâmicas e grupos de operadores gerenciados por alguém com relativa autonomia para agir de forma independente ao posicionamento do seu cargo e descrição de suas funções.

As categorias de estratégico, tático, operacional e as classificações de área meio e área fim perderam o sentido e foram substituídas por entregas conectadas a projetos orientados para objetivos estratégicos definidos corporativamente e com a participação de quem estivesse comprometido com os resultados. A avaliação de desempenho precisou se ajustar para captar esta variação das entregas, metas e competências independentes da função e novas percepções do papel do gestor.

A integração dos projetos e das funções encontrou resposta inteligente com a substituição do organograma em árvore por matriz com uma coluna listando os projetos e seus gerentes, com foco nos objetivos segundo a cadeia agregadora de valor, e uma linha de departamentos e cargos agrupando funções e subordinação a objetivos corporativos controlados pela alta administração. Esta linha fornecia os recursos humanos e técnicos para os projetos, instrumentando-os conforme os objetivos. Um problema muito sério: quem era o chefe dos participantes da equipe, se além do gerente do projeto eram subordinados funcionalmente a outro gestor segundo as linhas hierárquicas do organograma? Uma dúvida simplória era quem deveria preencher o formulário anual de avaliação de desempenho. Mais complicado é que as descrições genéricas não conseguiam antecipar as multiplicidades das competências das equipes necessárias à dinâmica das entregas dos projetos, ainda que houvesse relativa estabilidade quanto às funções.

Na evolução e complexidade das estruturas organizacionais contemporâneas as unidades de negócio podem estar na coluna dos projetos; em cada uma delas conjuntos de funções subordinadas hierarquicamente a um gestor técnico e a gerentes de projetos constituindo suas próprias matrizes, cujo controle pode estar em outro país e com responsabilidades por objetivos funcionais. As metas são interdependentes e transversais a unidades de negócios, projetos, cargos, funções. O comando é difuso, ainda que os objetivos corporativos tenham de ser cumpridos. Só algo é constante: não há gestor sem entregas vinculadas à estratégia da empresa; não há gestor que não tenha um superior que avaliará seu desempenho e todas as competências estão relacionadas às necessárias para cumprir as metas. A liga que conserva a harmonia e sinergia entre os processos são os valores, foco na visão e estratégia corporativa.

As organizações modernas e competitivas não são árvores, projetos ou matrizes; são redes articuladas de forma a fazer funcionar a cadeia agregadora de valor e com objetivos estratégicos definidos não para atender a hierarquia de cargos e funções, mas segundo perspectivas de satisfação dos acionistas, pleno atendimento às expectativas dos clientes, excelência dos processos e quadro de pessoal criativo e inovador. Os objetivos apontam para a visão e são operacionalizados através de metas atribuídas a pessoas, sejam quais forem seus cargos, desde que tenham competência para cumpri-las.

As linhas de funções departamentais devem ser substituídas por malhas que coligam complexas redes de autoridade sobre entregas estratégicas. O que mantém a integridade desta rede são os nós de contratos individuais de resultados interdependentes que o organograma não consegue representar. Cada relação única responsável-meta-superior é como se fosse um deste conjunto de malhas que definem células agregadoras de valor. Suas competências, de forma dinâmica, estimulam a iniciativa, a flexibilidade e a sinergia entre os participantes direcionados aos objetivos estratégicos, mantidos coesos pela cultura em relação dialética com os valores da empresa e sua visão.

Participar de uma rede é mais do que trocar informações; é ter o compromisso de realizar conjuntamente ações concretas, compartilhar valores na direção de resultados com significado e abandono das formas centralizadoras e autoritárias que foram herdadas desde a era das cavernas e codificadas pelos modelos burocráticos do século passado.


 Liderar estrategicamente nas redes é ter competência para reconhecer qual o propósito unificador, os valores comuns de toda equipe, compartilhar o comando com outros líderes de forma a que todos assumam cooperativa e interdependentemente os compromissos. O grande desafio das áreas de RH é desenhar e ensinar gestores a operar sistemas de liderança capazes de captar a essência dos desempenhos, gerar políticas de gestão estratégica de recursos humanos e reformar suas práticas indo além da seleção, movimentação, recompensas e carreiras: desenvolver inovação e criatividade para garantir a sustentabilidade e vantagem competitiva da empresa.

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