Planejamento estratégico e o rabo do cachorro

Um cachorro correndo atrás do seu próprio rabo provavelmente pensaria que seu problema estaria resolvido se tivesse mais pernas, se aumentasse o comprimento de sua cauda, ou desenvolvesse mais velocidade. Poderia fazer magníficos planos, de curto, médio e longos prazos, para aumentar a sua competência, alocando rigorosamente recursos demonstrados em planilhas as mais sofisticadas. O que ele precisaria mesmo era de um bom planejamento estratégico. Daí começa a grande encrenca sobre termos, conceitos, definições. Há um relativo acordo sobre o melhor nome que se dá a cada declaração constante nos planos. Claro que há  autores que pretendem garantir a imortalidade dando definições que só eles utilizam. Aqui vão contribuições para ajudar a colocar um pouco de ordem na casa.

Estratégico muitas vezes é pensado como o nível de decisão da cúpula diretiva da empresa, de longo prazo ou que envolve grandes somas de recursos. Nada disso: estratégicas são decisões tomadas para posicionar a empresa de maneira mais favorável frente às turbulências do meio-ambiente. Boas estratégias estão comumente relacionadas com a matriz de produtos, mercados e vantagens competitivas que são escolhidas para maximizar o retorno sobre o investimento, fazer caixa, ganhar mercado, matar o concorrente ou outras delicadezas.  Outra característica da estratégia é que as decisões são tomadas com baixo volume de informações, pouca certeza e envolvendo altos riscos. Em resumo: um executivo estrategista faz apostas e acerta mais vezes do que erra.

Planejamento não é plano, muito menos um documento cheio de tabelas estatísticas e imensas somas e calculeiras. Planejamento é um processo contínuo cuja principal característica é a criatividade, inovação e uso da inteligência. Plano é o documento onde as decisões são organizadas de uma maneira metódica para serem utilizadas posteriormente. Outra confusão que precisa ser esclarecida é que as declarações que constam do plano não são previsões que acontecerão de qualquer maneira. Não fazemos previsões, fazemos apostas de que certos resultados acontecerão se trabalharmos duro e tivermos sido inteligentes ao imaginar os meios e recursos que utilizaremos para alcançá-los. É lamentável, mas o planejamento que deu certo não é a regra; é uma questão de muita sorte ou muita competência gerencial.

Táticas são, de fato, decisões subordinadas às estratégias, mas não como os ramos de uma árvore, ou descendo nos caixotinhos do organograma. Tirando isso da cabeça, tentemos imaginar um conjunto de estratégias que envolvem outro conjunto de táticas; há tantas flechinhas, ligando todas as estratégias a todas as táticas, que representar em um esquema resultaria em uma pintura como as que ganham prêmio nas bienais de arte; melhor não fazê-lo. Quem escolhe as melhores táticas tem mais vantagens competitivas sobre os concorrentes. Feitas as apostas estratégicas, vem o grande desafio: quantas são e onde vamos jogar nossas fichas, ou nossos recursos. Em outras palavras: onde e quanto vamos aplicar o rico dinheirinho de nossos acionistas. Compra de tecnologia ou desenvolvimento de recursos humanos? Comprar uma nova rede de computadores ou mudar para uma sede nova? Mais dinheiro para marketing, ou mais máquinas para a produção? Se o dinheiro fosse ilimitado não teríamos problema algum, mas a vida não trata os gerentes de uma maneira tão simpática.

Objetivos e metas são termos associados às decisões operacionais. Isto permite saber a cabeça de quem rolará se os resultados não forem alcançados, ou quem ganhará a viagem a Paris no final do ano. Os objetivos e metas dão concretude às estratégias e táticas; somente por eles saberemos se nossas decisões foram corretas ou não. Eles estabelecem os padrões de controle para a gestão da empresa. Algumas coisas devem ser ditas sobre estes importantes personagens. Todo objetivo ou meta deve ter um dono, alguém que o presidente adorará mencionar no discurso de final de ano. Outra coisa importante é que não há objetivo ou meta sem que sejam alocados recursos para atingi-los; sem eles teremos apenas desejos e boas intenções. Responsáveis, recursos e uma boa sequência de passos, constituem os planos operacionais. Muita gente perde precioso tempo discutindo o que são objetivos e o que são metas. Não devemos entrar nesta briga, mas há uma convenção interessante e, se alguém não conseguir dormir com esta dúvida, poderá adotá-la: objetivos são resultados mensuráveis a serem alcançados em um futuro não determinado; metas são resultados mensuráveis a serem alcançados em um prazo claramente estabelecido.

Macro-objetivos têm um sério problema de personalidade: eles não sabem se são políticas, estratégias, táticas ou primos crescidos dos objetivos e metas. Não precisamos compartilhar de suas angústias. Eles são muito úteis para nós, pois, independentemente do que são, servem de bandeiras atrás das quais toda a empresa deve caminhar. Definem também o que é importante e prioritário para todos. Devem ser quantificados. Geralmente seu dono é o presidente da empresa; os acionistas estão de olho e provoca calafrios até no porteiro se alguém comenta que, por qualquer razão menor (guerra, terremotos, incêndio...), eles poderão não ser atingidos.

Matemos o Vampiro 04 - Adam Smith e John F. Nash

A competição desenfreada, o cada um pensar em si mesmo é o recurso mais eficiente para que o castelo funcione com o máximo de produtividade sem problemas de disciplina e contestação do poder absoluto de Liberdrácula (que sabemos ser o líder dos vampiros contaminados pelos valores liberalóides). O problema do grande bruxo é saber que somente o fazer junto, a integração dos esforços e as práticas de solidariedade são capazes de agregar valor ao trabalho realizado, mas precisa ao mesmo tempo dividir para governar, Não falta esperteza ao Vampiro-mor; ele é hábil com as palavras: chama de meritocracia o estímulo à competição predatória, de modernidade os padrões administrativos pré-revolução industrial e consegue a mágica de chamar ganância de esfoço coletivo. Ele, que retirou a alma dos habitantes do seu castelo, conhece bem a natureza dos ex-humanos. Sabe que somente uma crença religiosa fanática os manteria obedientes, sem crítica e cordatos. Precisava apenas de um deus e de um profeta. Os desenterrou das catacumbas das ideologias mortas e os colocou assombrando modelos e teorias que influenciam o modo de pensar de muitos que se denominam “de vanguarda administrativa"

Adam Smith – economista escocês, falecido em 1790 – pregava o evangelho de que a economia é a essência da sociedade e que se cada um lutar egoisticamente para garantir tudo o que for vantagem para si, os mais qualificados terão  melhor pedaço do bolo, por direito de sua maior competência; aos mais fracos, o degredo do downsizing.  No castelo, esta seleção natural levaria à procriação somente dos melhores vampiros fiéis à doutrina e submetidos a Liberdrácula. Mas não bastava. Muitos, ainda não totalmente dominados, poderiam questionar: qual a lógica em se propor a máxima competição para obter a máxima cooperação que o castelo precisa para destruir os concorrentes? Toda religião precisa de um deus. Adam Smith o criou à sua imagem e semelhança: ele se chama Mão Invisível do Mercado e está no céu, nas bolsas de valores e nas doutrinas de gestão das empresas e em toda parte. É o operador social, que organiza tudo e, como todo deus, não pode ser questionado ou combatido.


John F. Nash – prêmio Nobel de economia em 1994, e uma coleção de prêmios internacionais, gênio em sua área – contestou  Adam Smith propondo a máxima lógica de que a cooperação não é uma postura ingênua, mas sim a mais inteligente, pois além dos ganhos individuais da pessoa proporciona o ganho coletivo. “Se todos fizerem o melhor para si e para os outros, todos ganham”.  Liberdrácula não o teme, tem seguidores até entre os aldeões mais ingênuos; conseguiu torcer o sentido das palavras: idéias velhas do Século 16 são divulgadas como vanguarda; idéias atuais, e provadas como superiores são chamadas de velhas. No castelo é pecado mortal – ainda que todos já estejam mortos - tomar em vão o santo nome do deus Mão Invisível e seu sacerdote, Liberdrácula, sempre com seus caninos à mostra, aumenta cada dia seu poder pois agora, até na periferia do castelo, e já surgem patrulhas da vanguarda do atraso.

Ensinar empresas a aprender - Vygotsky ensinou antes

Para sair do falatório sobre globalização, velocidade de mudança e a chegada da onda do saber devemos, antes de mais nada, responder a uma só pergunta: o que é que eu faço ? 
Para  chegar lá precisamos inicialmente vencer dois dos mais fortes vícios dos modelos mentais mecanicistas que estão falindo: a busca ingênua de respostas antes de compreender o contexto gerador das perguntas e imaginar que perguntas complexas podem ter respostas simples. 
Learning organizations não surgiram do nada ou porque alguns gurus resolveram mudar sua ladainha. Ser capaz de administrar o capital intelectual das empresas é a maior competência exigida de qualquer gestor .
Comunicar, comunicar e comunicar
Algo que deveríamos escrever em um cartãozinho e pregar na tela do computador é que para todo problema muito complexo há sempre uma resposta muito simples e que, invariavelmente, não funciona.  Da mesma forma que nenhum de nós teria coragem de atravessar o oceano com um avião de 1911, data do Administração Científica do Taylor,  devemos rejeitar a administração que ainda funciona baseada no pensamento fragmentado, normativo, com cargos impessoais e condicionamento de comportamentos. Só que não há soluções imediatas, truques rápidos e receitas mágicas. Learning organization é uma resposta complexa para enfrentar desafios complexos em situações desconhecidas.
Se perguntarmos: o que as pessoas mais fazem hoje para gerar valor agregado ?  Obteremos a resposta de que, se elas trabalharem em uma empresa competitiva, movimentam informação de um lado para outro. Descrições de cargos, estruturas hierárquicas, departamentos estanques, padronização de procedimentos são uma carga a mais para quem precisa de velocidade para atender demandas mutáveis, imprevisíveis e exigentes. São melhores as estruturas em rede, onde as informações fluem em todas as direções, impulsionadas por pessoas detentoras de conhecimento.
  Nos primórdios de nossas empresas, o fator crítico de produção eram os investimentos em máquinas e, no auge da burocracia, na estrutura administrativa; ambas pertenciam e eram controladas pelos proprietários ou seus executivos. Na empresa atual, o fator crítico é o conhecimento. As pessoas são proprietárias, criadoras e zeladoras deste saber. Os sistemas tradicionais de motivação, remuneração, treinamento e organização não conseguem sustentar a nova parceria que deve existir entre os empregadores, ou investidores,  e os trabalhadores, donos do conhecimento. 
A questão fundamental para as empresas é desenvolver ao máximo o seu capital intelectual para que possa ser usado de forma a entregar aos seus clientes produtos e serviços com a máxima qualidade, propiciar o melhor retorno ao investimento de seus acionistas e criar  condições de realização pessoal dos seus empregados.
Aprendendo a aprender
A resposta transcende as técnicas administrativas e está no domínio da tecnologia da educação. Antes que os japoneses tivessem pensado nisso, ou os americanos escrito livros ligeiros ensinando como fazer, Vygotsky, já na década de vinte,  traçava os caminhos para a construção de espaços de aprendizado onde os profissionais adquirem informações, habilidades, atitudes, valores a partir do seu contato com a realidade, o meio ambiente e outras pessoas. 
Só para chatear quem só aceita termos em inglês ou japonês, o nome em russo é obuchenie.  Talvez Vygotsky não gostasse que suas idéias fossem aproveitadas de maneira tão capitalista, mas, se quisermos ter obuchenie, ou desenvolver o capital intelectual das empresas, devemos:
·      aproveitar ao máximo o conhecimento que cada empregado já tem em sua formação
·      fazer com que mais pessoas desenvolvam conhecimentos úteis para o trabalho
Para tanto, cinco processos básicos devem ser acionados ao mesmo tempo e em toda empresa :
·      criar oportunidades para que todos possam compartilhar com todos os conhecimentos que possuem;
·      dar oportunidade para que o conhecimento latente em cada pessoa possa ser explicitado;
·      agrupar os mais talentosos em projetos nos quais os seus conhecimentos sejam mais críticos;
·      fazer com que o aprendizado ocorra principalmente em situações práticas ou durante trabalhos reais;
·      estabelecer uma relação de vantagens recíprocas entre a necessidade de desenvolvimento profissional da pessoa e o aproveitamento de seu conhecimento pela empresa.


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