LIDERANÇA, PODER E ÉTICA NAS EMPRESAS GLOBAIS

O líder é, antes de tudo, um poderoso nas empresas. É impossível exercer a liderança sem o uso do poder. Talvez esta afirmação choque aqueles que associam poder com assumir o controle das pessoas e suprimir as liberdades individuais de seus subordinados. Isso é tirania, não é poder. Nos livros sobre chefia e liderança - dos sérios e fundamentados, aos reducionistas de auto-ajuda – são apresentados dois perfis de liderança ou suas combinações: chefias preocupadas com os processos descritos na administração científica (leia-se Taylor em 1911) ou nas abordagens comportamentalistas (geralmente com ideias dos anos sessenta aos oitenta). As publicações ligeiras idealizam um gestor carismático, visionário e a serviço do seu grupo.

Elevando nossa perspectiva dos modos de ver psicológico e administrativo e observando os fenômenos através das lentes da sociologia e da ciência política encontramos duas lógicas conflitantes: a capitalista, privilegiando o lucro, outra defendendo o trabalhador “explorado” pelos chefes em nome da empresa. Ambos os discursos são obsoletos e são incompatíveis.  Neste século, as formas de produção transformaram os controles, voltados às horas a serviço na empresa e obediência aos processos, para aos estímulos à produtividade, iniciativa, inovação e competência. Entretanto, o  poder para exercê-lo não foi retirado da caixa de ferramentas do líder.

É politicamente correto chamar empregados de colaboradores e o controle de conscientização. Nos MBA e treinamentos nas empresas ensina-se a liderar; porém não há líderes sem liderados e não é possível que todos sejam líderes. Portando, na dura realidade, por bem ou por mal, a maioria dos empregados deve aceitar ser comandado e não apenas ser um livre colaborador. O que o chefe fará quando um colaborador não quiser colaborar?  Alguém já ouviu falar em algum workshop para capacitar liderados a aceitar lideranças? Foucault, filósofo francês que era tudo, menos defensor do capitalismo, dizia que “ter poder é levar alguém a agir em uma relação interpessoal que ocorre em um sistema sócio-político”. Não há vazio de poder em uma empresa; ou o líder faz as coisas acontecerem, faz as “entregas”, ou outro assumirá seu posto e o fará. Neste contexto, ter poder é sobreviver, fazer o jogo político para vencer. A meritocracia, é a palavra politicamente correta de explicar a ética da competição absoluta. 

Não se trata de propor que a empresa seja assim, tampouco afirmar que esta ética é a melhor; apenas é não se iludir sobre qual a é a ideologia vigente neste mundo neoliberal. Se isto cheira a Maquiavel é bom contextualizá-lo em paradigmas mais complexos do que os limitados pela teoria da administração.  A ética, segundo Hegel é a “realização do que se julga o bem em uma realidade histórica”. O líder, na realidade histórica de sua ação nas empresas contemporâneas, está conscientizado de que é justo que somente os subordinados obedientes sobrevivam e que é justo controlá-los para que produzam resultados do seu interesse.  A empresa precisa de resultados e é pelo poder lhe conferido pela empresa que o líder produz estes resultados. Os liderados nem sempre seguirão os líderes em quaisquer circunstâncias. Muitas ações do líder não desejadas pelos subordinados provocarão resistências que deverão ser vencidas, haja ou não motivação.  O problema não está no poder do líder, está na manipulação das pessoas, em disfarçar a realidade que a fantasia do politicamente correto insiste em esconder. O poder não é positivo ou negativo, simplesmente é inevitável.

Maquiavel, quando escrevia Príncipe, hoje poderia escrever Líder: “Não basta a ética para proteger as pessoas da tirania do Príncipe”.  Hegel propunha a solução moral: “uma vontade superior que impõe limites aos impulsos naturais”. Os líderes devem  ter poder, mas serem limitados por regras claras da organização para estarem moralmente impedidos de cometer arbitrariedades.  Estas regras morais são as políticas, decorrentes dos valores superiores declarados nas suas estratégias. A ética é individual, mas não é neutra e sim determinada pela ideologia individualista - basta ler o que se aconselha nas revistas de negócios populares. A moral é uma construção coletiva se gestores esclarecidos assumirem a liderança de abrir os canais de comunicação para ampla discussão do verdadeiro papel do líder e dos liderados de forma clara e transparente. Talvez seja esta a grande tarefa dos profissionais das áreas de recursos humanos: levar os gestores a romper os paradigmas individualistas que estruturam sua ética e fazê-los compreender que seu papel de líder - sem romantismos behavioristas - é a construção coletiva de bens e serviços; líder e subordinados em uma relação moralmente honesta.

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Este texto pode ser completado com a leitura das postagem anterior sobre visão, missão e valores (dia 13 de novembro) e com a próxima em que será comentado o quanto Maquiavel ainda é atual na gestão contemporânea (dia 4 de dezembro).
Agradeço seus comentários e críticas.




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