GRUPOTERAPIA, DOENÇA INFANTIL DA ANDRAGOGIA


Trecho do Capítulo 3, pág 84 do livro 
T&D Total - Ensinando as empresas a aprender 
de Mário Donadio. Qualitymark, segunda edição. 

GRUPOTERAPIA, DOENÇA INFANTIL DA ANDRAGOGIA
(...)       
               
... depois, (...), os causos foram sendo contados.

            Freudianos

                Um grupo de gerentes e diretores, que não conseguiam superar problemas de falta de mercado para seus produtos, contratou um especialista em criatividade.  Foram para um hotel em Visconde de Mauá, nas divisas de São Paulo e Rio de Janeiro, entre as montanhas de Minas Gerais.  Tomaram banho de cachoeira, caminharam nas trilhas do mato amarrados uns aos outros.  Pretendiam quebrar o sistema lógico bloqueador para chegar a uma nova realidade.  Dormiam amontoados no mesmo quarto, falavam mal das mães o tempo todo.  Buscavam qualquer coisa como encontrar transferências ou resistências, algo assim, que nunca foi possível explicar bem.
                Na semana seguinte o problema de mercado permanecia e, meses depois, a empresa faliu.  O gerente de vendas se divorciou e o diretor de marketing teve um caso com o instrutor do treinamento.

            Lacanianos

                Outra situação aconteceu em uma fábrica de pijamas.  O objetivo era treinar operários, recém promovidos a supervisores, em técnicas de chefia.
                Os operários já tinham brincado de cabra-cega, cabo-de-guerra e feito barquinhos de papel.  Um deles, ao tentar explicar que as máquinas da fábrica estragavam os pijamas, errou e disse que “... as máquinas estragavam as camas...".  O instrutor não deixou por menos: passaram os três dias do treinamento discutindo semiologia, significados e significantes.  Trabalharam com o jogo de palavras pijama e cama, passando pelos problemas sexuais de todos.  Ao final eles sabiam quem tinha tendências homossexuais, quem tinha problemas de ereção e quem estava sendo traído pela mulher.  Ninguém imaginava como lidar com estas informações na relação com seus subordinados.

            Junguianos

                As secretárias daquela repartição pública não conseguiam datilografar uma só carta que não voltasse com um erro em cada linha.  Brigavam com o chefe e reclamavam dos salários.
                O instrutor resolveu que o treinamento deveria buscar o ser integral dentro dos indivíduos, únicos e homogêneos.  Jogaram: I Ching e Tarô, todos consultaram seu mapa astral.  Trabalharam os mitos, os sonhos e escarafuncharam os inconscientes pessoal e coletivo.  Buscavam o arquétipo do relacionamento chefe e secretárias; descobriram a Fada Morgana e o Rei Artur.  O seminário terminou com todos abraçados e em prantos.
                Até hoje, na repartição, consideram o melhor treinamento que já tiveram.  As cartas continuaram com erros, as brigas não cessaram e os salários permanecem baixos.  Agora todos têm uma explicação sincrônica para os problemas e vivem felizes para sempre.

            Reichianos

                Os diretores da multinacional se encontravam uma ou duas vezes por ano.  Sempre um estava em Tóquio e outro em Nova York ou Detroit.  Quando se reuniam falavam apenas de números, balancetes e índices de produtividade.  Alguns problemas de relacionamento não conseguiam ser tratados.  Chamaram um instrutor de treinamento.
                Ele logo notou a postura dos diretores, mais ou menos curvados e que não eram capazes de executar o exercício de biodança que estava propondo.  Delicadamente o instrutor pôs os diretores em fila.  Um começou a apalpar as costas do outro em busca dos anéis de energia.  Os diretores foram ficando nervosos e vermelhos, o instrutor insistia na necessidade de romper a couraça que os envolvia.
                Até que um holandês, alto e forte como um jogador de futebol americano, de gravata e camisa de mangas curtas, não gostou de ver seu traseiro apalpado e saiu da sala.  Os próximos dias foram gastos interpretando a resistência que as pessoas têm na utilização de seu corpo.  Também que a repressão do orgasmo pode afetar a contribuição marginal e a rotação dos ativos das empresas.
                O diretor que saiu montou uma rede de hambúrgueres na Califórnia.  Os outros nunca mais quiseram se encontrar porque estavam envergonhados e o reichiano até hoje não recebeu o seu cheque.

UMA NOVA VISÃO DO TREINAMENTO

Trecho do Capítulo 7 do livro T&D Total, Qualitymark 

Para ensinar uma empresa a aprender, transformá-la em uma organização de aprendizagem e consequentemente aprimorar o seu capital intelectual é preciso antes de mais nada resgatar o valor do ser humano como sujeito e objeto do aprendizado. A maioria das práticas, independentemente do que os patronos das idéias escreveram nos seus livros, fracassarão irremediavelmente se esta condição não for respeitada.

Este ser humano, íntegro, é impossível de ser fragmentado como se tivesse vários receptáculos onde poderiam ser depositados ora um pouco de informações técnicas, ora umas pitadas de entusiasmo e motivações ou, quem sabe, submetê-lo a truques para que troque seus valores pessoais pelos valores da empresa.

Os computadores, os laboratórios tipo micro mundos e o uso de redes internas informatizadas são recursos poderosos, devem ser usados. Se alguém conseguisse mensurar o conhecimento e até contabilizá-lo prestaria um grande serviço aos profissionais de treinamento e desenvolvimento. Todos sonham em defender as verbas para seus programas com argumentos que sensibilizem os burocratas do orçamento. Pessoalmente acho que estamos longe, muito longe, deste sonho. O que não se pode é confundir objetivos com recursos instrucionais, por mais caros e complexos que sejam.

Mudar comportamentos e condicionar atitudes são objetivos de muitos programas que pretendem mudar a visão dos empregados. Mesmo os bem intencionados, tentam na verdade substituir os modelos mentais das pessoas pelos modelos mentais que interessam à empresa. O caminho mais curto são os jogos behavioristas. Alguns são mais elaborados, outros ingênuos embustes. Não funcionam – e ainda bem – pois o que querem realmente é o domínio empresarial da mente das pessoas.

Nas empresas, onde resistir a trabalhar várias horas além do expediente e não levar trabalho para casa nos fins de semana pode gerar comentários de que não há espírito de time, é um descanso ser convidado para um ou dois dias em um hotel fazenda e brincar um pouco de quebrar paradigmas com os colegas. Melhor e mais barato seria dar uns dias de férias remuneradas para que o empregado se divertisse um pouco com a família.  

Devem ser promovidos na empresa três processos íntegros, sistêmicos e sincrônicos:  íntegros quer dizer que não daria certo se usados uma ou outra parte de cada um deles; sistêmicos por que um depende do outro e cuidar de suas relações e dos impactos recíprocos era fundamental e, finalmente, sincrônicos  pois acontecem ao mesmo tempo, em toda empresa com todas as pessoas.


Lidamos com adultos em ambiente profissional. Para que o aprendizado ocorra devemos atuar sobre todo o conjunto de valores reais, profissionais, tecnológicos em que está imerso. Não é preciso tentar iludi-los; eles aceitarão responsabilidades, somente resistirão se não encontrarem justificativas na sua razão
ou identificarem tentativas de manipular o equilíbrio de sua personalidade. A resistência à aprendizagem decorre desta ameaça ao seu eu.

A nosso favor temos que o ser humano é naturalmente motivado para o crescimento e aprendizagem, quer experimentar e busca o novo. Basta haver um apoio incondicional de outras pessoas, um grupo apoiador e clima valorizador do aprendizado na empresa.  


Saber trabalhar em equipe é um dos mais importantes conhecimentos necessários a um profissional. Também é poderosa ferramenta nos processos educativos. As dinâmicas andragógicas são operadas mais eficazmente quando favorecem as trocas de conceitos e referências. Nestas trocas estão articulando-se os momentos de ensinar e de aprender de quem está sendo treinado e de quem tem algo a transmitir. Chamamos este processo de didática operativa.

São mais ricos os grupos de trabalho orientados para resultados tangíveis e práticos em espaços que tenham significado para o adulto exercitar sua lógica, informação e comportamento. Crítica de valores, troca de modelos mentais, compromisso com novos paradigmas, quando tratados isoladamente das necessidades reais, concretas e objetivas do empregado duram pouco mais de alguns dias. Podemos, isto sim, confrontá-los com novas realidades que os estimulem a operar e interagir com estas novas informações de forma cada vez mais complexa de modo a crescentemente apropriar-se da realidade e transformá-la.

Vetores andragógicos

Este conceito de vetor andragógico é o mais difícil de explicar. Ou os planejadores das learning organizations caem na armadilha fanatizante, dizendo conscientizar ao invés de condicionar, porém deixando tudo como sempre foi; ou elaboram uma cesta de produtos de treinamento a serem vendidos aos empregados. Eles  acabam não escolhendo o produto certo, ou simplesmente não se inscrevem, para desespero dos treineiros.

Não basta terceirizar. O erro está na estrutura lógica das tentativas de criar algo mais eficaz do que os velhos departamentos de treinamento. Antes as pessoas eram convocadas e obrigadas a participar – e, mesmo à força, aprendiam alguma coisa – de programas elaborados nas altas esferas da empresa. Hoje, elas são democraticamente convidadas a escolher cursos em uma lista de conteúdos que não percebem – portanto não se inscrevem e nada aprendem – vinculados às suas necessidades.

Nas empresas mais sofisticadas em sua contabilidade, o gerente verá descontado em seu centro de custos os gastos com o treinamento. Os resultados financeiros de sua área serão prejudicados e assim ele será avaliado. Nenhum argumento sobre a importância do capital intelectual o levará a inscrever seus subordinados, mesmo que tenha participado do workshop onde a decisão foi tomada e pendure o quadrinho com a visão da empresa atrás de sua porta.

Há duas escolhas para as chamadas Universidades Empresariais. A primeira delas é não se acanharem com a concentração dos objetivos no vetor ensinar. Já que se sentem mais confortáveis trabalhando com grades de conteúdos, elaborem currículos mínimos a partir das necessidades identificadas, contratem consultores externos para que tragam informações novas e novos referenciais, exijam métodos e técnicas coerentes com o melhor estado da arte  e imponham – pois na educação nem sempre todos os clientes têm razão o tempo todo – aos gerentes que inscrevam seus subordinados e aos empregados que façam os cursos. 

Conquistem o presidente para a idéia, elejam um coordenador comprometido com a educação e poder para convocar os "alunos". Para ser tecnicamente precisos apaguem dos folhetos as afirmações de que são learning organizations, assumam que administram um honesto centro de treinamento cuidando estrategicamente da competência da empresa.  Façam que na contabilidade gerencial alguém crie uma conta de investimentos para abrigar estas despesas e tirá-las dos centros de custos dos gerentes. Eles resistirão menos ao treinamento e os ortodoxos do capital intelectual ficarão felizes, é isto que eles queriam mesmo.

Antes de ensinar a aprender é preciso que as pessoas aprendam a querer. Elas aprenderão se forem expostas  aos conflitos gerados pelas turbulências ambientais e forças conservadoras internas ao sistema. Aqui entra a segunda alternativa. Os objetivos serão definidos para unidades de treinamento e desenvolvimento coerentes com o capital intelectual – a prontidão, como diria um pedagogo clássico – de cada empresa, área, grupos ou indivíduos. Vetores têm intensidade, direção e sentido. É impossível planejar um treinamento específico para cada pessoa, mas podemos apontar a empresa inteira para uma visão .

Muitos já estarão despertos, outros precisam se comprometer ou devem ser ensinados. Grupos aprenderão a sistematizar os conhecimentos e inventar novas maneiras de trabalhar; criticarão produtos, serviços e processos. Uma learning organization não está voltada somente para ensinar conteúdos mas para ensinar a aprender.