As estratégias organizacionais são definidas para garantir a maximização da acumulação de capital segundo as empresas sejam mais ou menos competitivas no mercado sujeito aos processos sócio-históricos. A área de recursos humanos é a operadora das relações com os empregados. A psicologia organizacional, desde os anos cinquenta, é protagonista na gestão das subjetividades constituídas e constituintes.
Neste semestre, no curso de pós-graduação em Psicologia Organizacional, tive uma turma com ótimos alunos, interessados e críticos. Um deles — formado em Filosofia — quando fazíamos uma Roda de Conversa sobre o desenvolvimento das estratégias da Psicologia Organizacional nas relações trabalho/ empresa questionou:
O quanto isso é verdade em diferentes países, diferentes épocas e diferentes culturas?
Brilhante pergunta que exige uma resposta complexa. Vamos lá!
ONDAS E RUPTURAS
Meu aluno teve total razão ao argumentar que as transformações das relações trabalho/empresa não ocorrem em um fluxo contínuo e globalizado. O processo não é uniforme no tempo e na geografia. Os saltos dialéticos datam localmente e rotulam as rupturas qualitativas quando as contradições no processo sócio-histórico — tais como ondas — acumulam-se quantitativamente.
Estas rupturas não afetam apenas as respostas dadas pelos psicólogos organizacionais aos problemas da gestão das pessoas; afetam principalmente quais as perguntas são propostas a eles pelos detentores do poder nas empresas e seu papel, importância e posicionamento na hierarquia.
Nos anos oitenta do Século XX, Alvin Toffler, um jornalista e escritor, fez sucesso com seu livro A Terceira Onda. A Primeira Onda, a Revolução Agrícola, iria de 8.000 a.C. até o final do Século XVIII. A Segunda Onda seria a da Revolução Industrial, do final do Século XVIII até meados do Século XX. Esta metáfora de ondas da história é didática, interessante, mas este artigo cogita aprofundar o tema.
Da segunda metade do Século XX até o Século XXI — Terceira Onda — vivemos a transição de uma economia industrial para outra baseada em informações e serviços; tecnologias digitais, computadores e telecomunicações; importância da educação e habilidades intelectuais; trabalho remoto; transformação das formas de organização do trabalho com redes ao Invés de hierarquias rígidas.
Acertou muito no seu livro futurista. Toffler descreveu como cada onda trouxe rupturas profundas, conflitos e tensões à medida que a sociedade se adaptava às novas condições sócio-históricas — o termo é meu, não dele. As ondas não se permutam completamente umas às outras; turbilhonam em teses, antíteses e sínteses com seus vales e picos presentes muitas vezes sincronicamente e, seguramente, diferentes em cada contexto social e diferentes momentos históricos.
A segunda ruptura importante ocorreu após a Segunda Guerra, em 1945, com duas ramificações: na Europa e Estados Unidos, o humanismo/comportamentalismo, na Era de Ouro do Capitalismo; e no Japão e países asiáticos, o Toyotismo.
A terceira ruptura ocorreu nos anos setenta, em mais uma das crises do capitalismo — superprodução, quando a capacidade produtiva da economia excede a demanda do mercado, pois a massa de trabalhadores não tem poder aquisitivo suficiente. O humanismo sucumbiu, as empresas globalmente se hostilizaram competindo em, redução de custos, corte de pessoal que levou ao desemprego estrutural. O Toyotismo foi instrumentado com as técnicas comportamentalistas/humanistas e envenenado com o individual meritocratismo neoliberal: a chamada "tempestade-perfeita" do Neo-Fordismo.
ESTRATÉGIAS NAS RELAÇÕES TRABALHO/EMPRESA
Estas mudanças afetam todos os aspectos nas relações trabalho/empresa e subjetividades estudadas pela psicologia organizacional e do trabalho. Desde a cultura, vida cotidiana e formas de pensar às práticas para enfrentar as crises decorrentes.
Em um mar calmo surgem ondas que vão se esparramando. Encontram barreiras, retornam e novas ondas se formam; há turbulências no embate entre umas e outras; é quase impossível identificar as ondulações de cada uma ao se sobreporem. Neste vai e vem contínuo se formam vagalhões.
São marcos, erroneamente tomados como causa/efeito, pontos de rupturas qualitativas, efeito de acúmulos quantitativos, talvez marolas cuja relevância, díspare em termos de datas e locais, somente será percebida ao longo da história.
Melhor do que Toffler, Engels na Dialética da Natureza explica que as transformações seguem um ciclo de ascensão, apogeu e declínio. As ondas dos avanços tecnológicos promovem o aumento da apropriação da mais-valia com mais exploração da classe trabalhadora, impulsionam as lutas sociais, intensificam a desigualdade e fazem surgir novos modelos socioeconômicos. No apogeu, as contradições se tornam irreconciliáveis — os vagalhões —, há o enfraquecimento das estruturas existentes, novas ideias, valores e significados e começa o declínio. Nas empresas, novas estratégias organizacionais, relações de poder ascendem e o ciclo recomeça.
ASCENSÃO E APOGEU EM ONDAS
Taylorismo/Fordismo
(1910–1980):
Supervisão direta e controle rígido dos
trabalhadores.
Avaliação baseada em punições e recompensas,
sem foco no desenvolvimento profissional.
Foco na disciplina e produção.
Região |
Ascensão |
Apogeu |
Declínio |
Estados Unidos e Europa: |
1910 |
1940 |
1970 |
Japão: |
1920 |
1950 |
1970 |
China: |
1930 |
1950 |
1980 |
América do Sul e África: |
1940 |
1960 |
1980 |
Comportamentalismo/Humanismo (1950–1990):
Aumento
dos salários reais, impulsionado pelo crescimento econômico e pela organização
dos trabalhadores.
Expansão
dos benefícios: planos de saúde, férias, repouso remunerado, bônus, garantia de emprego.
Leis
trabalhistas se consolidam, garantindo direitos básicos aos trabalhadores.
Região |
Ascensão |
Apogeu |
Declínio |
Estados Unidos e Europa: |
1950 |
1960 |
1970 |
Japão: |
1960 |
1970 |
1980 |
China: |
1960 |
1970 |
1980 |
América do Sul e África: |
1970 |
1980 |
1990 |
Toyotismo (1950–2010):
Declínio do Fordismo, com o surgimento de
novas formas de organização do trabalho mais flexíveis e adaptáveis.
Foco na qualidade, na participação dos trabalhadores e na melhoria contínua e autoimposição de metas agressivas.
Diversificação das formas de trabalho, com
crescimento do trabalho em equipe, da terceirização e equipes
multidisciplinares.
Região |
Ascensão |
Apogeu |
Declínio |
Estados Unidos e Europa: |
1970 |
1980 |
1990 |
Japão: |
1950 |
1960 |
1980 |
China: |
1980 |
1990 |
2000 |
América do Sul e África: |
1990 |
2000 |
2010 |
Neo-Fordismo (1980-?):
Precarização
do emprego, aumento da rotatividade de mão de obra, contratos precários e
terceirização.
Trabalho
como mercadoria, cujo custo deve ser reduzido.
Redução da estabilidade no emprego, com maior facilidade de demissão.
Insegurança no mercado de trabalho.
Região |
Ascensão |
Apogeu |
Declínio |
Estados Unidos e Europa: |
1980 |
1990 |
? |
Japão: |
1980 |
1990 |
? |
China: |
1990 |
2000 |
? |
América do Sul e África: |
1990 |
2000 |
? |
DECLÍNIO DAS ONDAS
Aumento da Desigualdade: O modelo Neo-Fordista, ao privilegiar a flexibilidade e a terceirização, gerou um aumento da precariedade do trabalho e da concentração de renda, intensificando as contradições de classe e a insatisfação social. (Thomas Piketty – O Capital do Século XXI)
Crise Ambiental: A ênfase na produção em massa e no consumo desenfreado, características do Neo-Fordismo, contribuiu para o agravamento da crise ambiental, com o esgotamento de recursos naturais, a poluição e as mudanças climáticas. (Félix Guattari - O Capitalismo e a Esquizofrenia).
Crise do Estado Regulador: O Neo-Fordismo enfraqueceu o papel do Estado na regulação da economia e na proteção social, levando a falhas de mercado, instabilidade econômica e fragilização das políticas públicas. (Claus Offe - Discurso do Capitalismo: Contradições da Socialização da Produção).
Gratidão pelo reconhecimento do nosso amigo Tiago e da turma de POT 2024
ResponderExcluirEu que sou grato a todos os alunos pela dedicação e aproveitamento demonstrado nas aulas.
ResponderExcluirProfessor, que orgulho ter sido sua aluna. Vale o curso do Mackenzie que também é muito bom, mas o senhor é o melhor, simplifuca as coisas mais complicadas. Obrigada
ResponderExcluirEste artigo deveria ser de leitura obrigatória nos cursos de MBA em RH. Vou colocar na bibliografia do que coordeno na FGV.
ResponderExcluirSalve Hegel e Lulu Santos... "nada do que foi será do jeito que já foi um dia, tudo passa e sempre passará, a vida vem em ondas como no mar".
ResponderExcluirEra ENGELS. Tudo bem, acontece nas melhores academias.kkk Obrigado amigo, em poucos meses já é um best-seller. Estou preparando a segunda edição. Um abraço
ExcluirO comentário acima é meu. Um abraço, Amigo Duda.
ExcluirEstimado profesor Donadio, Extraño tus conferencias en la Universidad de Córdoba. Felicitaciones por su brillante y lúcido artículo.
ResponderExcluirQuerido amigo, muchas gracias por tus palabras. Lástima que aparezca con "anónimo". Si puedes, dame tu nombre. También extraño nuestros seminarios en Córdoba. Un gran abrazo a todos mis demás amigos.
ExcluirMestre Donadio,
ResponderExcluirFoi com imensa alegria que descobri onde encontrar o senhor. Há 10 anos, encontrei um vídeo seu sobre 5S – “Caça ao Fantasma do Desperdício” – . Esse vídeo foi um verdadeiro divisor de águas na minha carreira. Embora eu já conhecesse o programa 5S, aquele vídeo foi fundamental para desbloquear o conceito em minha vida.
Desde então, implantei o programa 5S em diversas empresas, obtendo êxito em todas elas com a metodologia que venho desenvolvendo. Aquele vídeo foi o pivô do sucesso de todo o meu trabalho. Seu trabalho naquele vídeo, junto com a equipe, foi simplesmente fantástico.
Não tenho palavras para expressar toda a minha gratidão ao senhor. Espero que esta mensagem chegue até o senhor.
Com muito respeito e admiração,
André você me emociona. Tantos anos se passaram e você ainda se lembra!
ExcluirSuas palavras são muito generosas e estimulam meu trabalho.
Um abraço.
Cada postagem é uma aula.
ResponderExcluirObrigado. Deste seu brilhante trabalho na PUC gosto do senhor e de seus livros. Só acho o último BUSINESS PARTNER um pouco carinho.
Professor donádio. Sou aluno de mestrado da PUC e me disseram que o senhor já deu aula aqui. Por que não volta ? Antigos alunos seus me disseram que o senhor era uma lenda entre os alunos. Já li seu livro é Paulo Freire na veia. :-) Desculpa a brincadeira.
ResponderExcluirSenhor mestre e adorável professor. Fui teu aluno em Santo Ângelo e meu filho ainda se gaba do senhor ter ensinado pra ele como fazer a resenha de um livro. Este artigo agora deu uma nota A na escola. Manda um abraço quebra costelas. A Sueli pergunta quando virá aqui para ela servir um sagu
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