Contradições Intrínsecas do Capitalismo e a Psicologia Organizacional

 

Um dos meus melhores alunos de um curso de Especialização em Psicologia Organizacional do Trabalho me propôs um dilema sobre as relações trabalho e empresa e o comportamento que parece paradoxal dos empresários ao definirem estratégias que, ao final, prejudicam os seus negócios.

Não foi possível naquela oportunidade dar uma resposta completa, pois fugia ao escopo da disciplina e conteúdo da aula. Entretanto, a pergunta é tão importante que não pode ficar sem resposta; é o que farei neste artigo.

        “Professor, eu li que existe uma contradição fundamental nas relações trabalho e empresa. Há um         excesso de mercadorias ofertadas que não podem ser compradas por quem as produzem — os                trabalhadores — pois não possuem renda suficiente. As causas disso seriam o baixo salário e a                precarização dos direitos trabalhistas, que fomentam crises sistêmicas e cíclicas. Ora, se isso os            prejudica, por que fazem?”

Antes de entrarmos diretamente na resposta, preciso de um pouco de paciência para comentar a dualidade da subjetividade: como somos criadores de significados e, ao mesmo tempo, produto de nossas circunstâncias sociais e históricas. Temos que nos instruir com Edmund Husserl, Jean-Paul Sartre e outros teóricos da fenomenologia e da teoria crítica. No final, eu indico fontes e sugiro leituras.

 UMA QUESTÃO DE SUBJETIVIDADE

A subjetividade é constituinte quando justifica os atos intencionais da consciência e dá forma ou sentido ao mundo. Por exemplo, quando um empresário tem certeza de que suas estratégias são as corretas e fazem sentido na sua percepção da realidade. A subjetividade é constituída quando já foi moldada pelas estruturas sociais, culturais e linguísticas. Aqui temos de nos apoiar em Michel Foucault, Pierre Bourdieu e outros teóricos que mostram como a subjetividade é condicionada por práticas discursivas, relações de poder e instituições sociais.

Dialeticamente, pode ser vista como uma tese, representando as formas estabelecidas e normativas de ser e entender. A subjetividade constituinte atua como uma antítese, oferecendo novas interpretações, resistências e transformações. A síntese resultante é uma nova forma de subjetividade que integra elementos tanto da constituinte quanto da constituída.

 As críticas ao modelo capitalista revelando suas contradições resultantes na exploração dos trabalhadores e geram suas crises são apresentadas por Karl Marx, Friedrich Engels. Comento estas críticas adiante. Contudo, há outras percepções; Adam Smith, John Stuart Mill, Friederich Hayek, Milton Friedman têm uma visão individualista da sociedade: nela, o livre mercado e a propriedade privada seriam os pilares do desenvolvimento econômico. A competição e o individualismo seriam os motores do progresso. 

 EMPRESÁRIO SUICIDA

O empresário suicida — segundo percepção e crítica do meu aluno — acredita na força da meritocracia, que terá cada trabalhador individualmente o poder de superar os limites estruturais e os melhores manterão vivo e aumentarão o nível de consumo.

 Em 1843, Charles Dickens escreveu um famoso texto, Um Conto de Natal. O personagem central é um empresário ganancioso, Ebenezer Scrooge. Estávamos na transição entre as Primeira e Segunda Revolução Industrial e as condições horrorosas do emprego e salário só comparáveis às subjetividades presentes no neoliberalismo contemporâneo.

Proponho criarmos um avatar, pedindo licença ao autor, para ilustrar no que acreditava Scrooge e no acredita hoje, por exemplo, o que chamamos de o Tiozão do Whatsapp. Pode ser um “pobre de direita”, talvez um empresário ou executivo que se informa apenas pelas redes sociais. Sua subjetividade é de uma versão mais radical do liberalismo do Século XIX, ainda que não saiba o que seja o neoliberalismo.

 Ele é um homem de meia-idade, acha que a homossexualidade é uma doença ou perversão, coisa de intelectuais comunistas, vai às manifestações vestindo camiseta amarela da Seleção e grita palavras de ordem que vêm do caminhão do trio elétrico.

 Acredita, ainda que não saiba a razão, que os pobres são pobres porque não se esforçam o suficiente; seus empregados devem ser gratos pelo emprego que lhes oferece; os benefícios sociais são criadores de vagabundos que querem viver às custas daqueles que trabalham de verdade e que a caridade é a solução dos problemas da pobreza.

 Sobre o desemprego julga que é um risco que penaliza os incompetentes e não decorre das crises do mercado. Se os trabalhadores não têm dinheiro, não é problema dele; sua estratégia é buscar novos mercados e novos consumidores. Os problemas sociais sempre existiram e sempre existirão, o papel dos empresários é gerar riqueza — e ele acredita que faz isso muito bem — cabendo a cada um lutar para trazer para si o maior pedaço dessa riqueza; sendo melhor que o governo não se meta. Subjetivamente aceita que as empresas e os empreendedores devem buscar o lucro que remunere o capital investido e também recompense o risco e a inteligência empresarial.

 MAIS-VALIA

Lucro, contabilmente falando, é a diferença entre a receita total e os custos totais, como mão de obra, materiais, impostos. Precisamos apelar para um conceito mais sofisticado, a mais-valia. Ela se refere à diferença entre o valor acrescentado à mercadoria pelo trabalhador na cadeia produtiva descontado o seu custo: salários, benefícios, direitos, etc. Esta diferença é apropriada pelas empresas. Curiosamente, em um mural da sede do Banco Bradesco — que comunista não é... —  há uma frase “Só o trabalho produz riquezas”, atribuída ao seu presidente Amador Aguiar, falecido em 1991.

Finalmente posso responder à indagação do meu aluno. 

“Por que os empresários têm estratégias nas relações com seus empregados que no contexto macroeconômico prejudicam a todos?” 

A lógica central das relações de produção neoliberais reside na acumulação do capital impulsionada pela expropriação da mais-valia. Esta exploração é intensificada nos momentos de crise pelas subjetividades constituídas e constituintes que recomendam a disputa pela competitividade absoluta e redução de custos para aumentar a margem de lucro, que inclui a mais-valia, reprimindo salários, suprimindo direitos, produzindo desemprego que, em um círculo vicioso, naturalizam a desigualdade como algo inerente ao sistema.

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SAIBA MAISis

·        David Harvey - O Novo Imperialismo. Discute a globalização e a expansão do capitalismo, fornecendo insights sobre as crises contemporâneas.

·        Engels, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Editora Boitempo, 2013.

·        Ernest Mandel - O Capitalismo Tardio: Uma análise das fases de desenvolvimento do capitalismo e suas crises.

·        Karl Marx - O Capital (Volume I): Esta obra seminal oferece uma análise detalhada da teoria da mais-valia e da dinâmica das crises capitalistas.

·        Negri, Antonio. Para um Marx Não Romântico. Editora Record, 2018.

·        Santos, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Capitalista: Para uma Nova Economia. Editora Cortez, 2018.

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