BARBIE E AS GALINHAS


 Palestrantes de autoajuda e seus coleguinhas no Instagram encontraram no filme Barbie farto material para elaborar teses fundamentadas na antropologia de WhatsApp. O filme é divertido, bem-feito e, acima de tudo, marketing competente. Entretanto não é mais do  que isso; a Fuga das Galinhas é mais rico de significados.

A animação se apoia no Pensamento Gramsciano: a luta das galinhas pela sua liberdade desvela como a hegemonia burguesa se forma e se constitui. Elas eram operárias exploradas em uma fazenda cujo casal organizou a produção e impôs as relações trabalhistas sem considerar as necessidades da mão de obra e sim os valores liberais da mão invisível do mercado.

Quem produzia os ovos eram as galinhas, entretanto eram alienadas do produto de seu trabalho. A expropriação da mais valia era destinada à acumulação do capital, de tal forma que novas máquinas substituiriam o trabalho vivo e, nestas novas máquinas, não só o produto do trabalho, porém até os corpos das trabalhadoras seriam utilizados como mercadoria e insumo da fábrica de tortas.

A velha liderança era a de um militar aposentado, aparentemente um bobalhão, mas de fato linha auxiliar da manutenção  da ideologia dos proprietários e na contenção da luta libertária. Até que surge Ginger – ela não era uma burguesinha loira e magricela querendo que o mundo fosse cor-de-rosa – era uma  representante do proletariado que imaginou que aquela realidade do galinheiro poderia ser outra, mais igualitária e justa.

Ensinou às companheiras que a única coisa que poderiam perder eram os grilhões que fatalmente as capturariam pela máquina de fabricar tortas para a qual seriam levadas assim que não fossem mais capazes de produzir ovos segundo as exigências do mercado e metas da fábrica. A luta era contra as condições de trabalho opressivas, falta de direitos e da justa propriedade do resultado do seu trabalho e, principalmente, se livrar dos controles fascistas a que eram submetidas. 

Ginger teve de enfrentar os pobres de direita, ratos que também as exploravam; entretanto sua maior vitória foi resistir à tentação de Rocky um galo americano pilantra e sedutor que resolveu abandoná-la em um momento crítico. Entretanto se arrependeu e voltou – o filme também tem seu lado romântico.

Ao final, conseguem fugir e construir sua utopia socialista.

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Meu artigo no Blog e no LinkedIn  Barbie e o Pequeno Principe do Consumismo (CLIQUE AQUI PARA LER) resultou, contra minha vontade de também ser cooptado pela onda cor-de-rosa, em um número enorme de “views”, muitos comentários e até elogios de alguns amigos. Eu brinquei  que seria também capaz de escrever, como diria Natália Pasternak em seu texto ferino, bobagens  sobre energias curativas, bolinhas de açúcar mágicas, terapias que invocam os antepassados e maluquices inventadas sobre o poder avassalador dos desejos inconscientes. Estas bolinhas açucaradas e maluquices também infectam as análises reducionistas com abordagens rosadas (não resisti ao trocadinho) de sociologia. Bom divertimento!

5 comentários:

  1. Li ambos : Barbie e o Pequeno Principe e Barbie e as Galingas. Valiosos textos . Voce me emociona sempre com seu jeito profissional, técnico e sério de ser...mas sem perder a TERNURA.
    Grande Mário Donadio

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  2. Muito bom Mario. Não há o que me faça sair de casa para ver essa Barbie. Já a fuga das galinhas usamos até em treinamentos…
    A Barbie que seja vista pela ex ministra Damares….

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  3. Como sempre, divertido e inteligente

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  4. Thus spoke Barbie: a doll for all and for none

    A Barbie cumpre um papel educativo. Envolta em um mundo de beleza, riqueza e aventura, que supostamente valoriza a diversidade e as diferenças, Barbie está imersa em uma pedagogia cultural, com o intuito de ensinar a supremacia de um tipo de corpo, raça e comportamento, além da produção de subjetividades infantis. A pedagogia analisada da boneca mostra que a pressão da publicidade impressa e difundida através de diferentes artefatos incorpora valores e modelos que são ubíquos na sociedade atual. O marketing por trás das Barbies étnicas, que pretendem representar minorias da sociedade, reforça as representações estereotipadas e a exclusão de determinados grupos. A Barbie personifica a fantasia de um mundo glamoroso, um ideal de beleza feminino, branco, magro e loiro.

    https://doi.org/10.1590/S1984-02922012000300012

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  5. Caro Mário: parabéns pela análise e pelo texto ( sempre muito bem cuidado!!!).
    Rica contribuição...G.Borin.

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