HUMANIZACAO EXTREMA DAS ESTRATEGIAS DE RECURSOS HUMANOS

Uma empresa é tão mais próspera quanto mais humanamente administrar seu Capital Relacional.

Revistas de negócios, jornais especializados e ensaios acadêmicos têm trazido para discussão alguns temas que preocupam executivos e especialistas das áreas de Recursos Humanos nas empresas. Ditos em inglês eles parecem mais graves e mais respeitáveis: quiet quitting, quiet firin, great resignation, employer branding... e por aí vai. Talvez sem a mesma respectability, mas em bom português: desistentes silenciosos, demissão à distância, debandada em massa e boa reputação como empregadora

Em qualquer idioma trazem para o RH das empresas novos desafios para engajar empregados desmotivados, descomprometidos e hábeis em se esconder no labirinto do organograma. Somados a eles, chefes que preferem ao invés de liderar, desenvolvendo subordinados e equipes, simplesmente se livrar dos problemas e das pessoas, demitindo-as por e-mail. Com os egressos do home work há uma onda de debandada geral; demissões de pessoas que decidiram que seu propósito de vida não é passar dias em um escritório submetidos a regras em que não veem sentido. A tática de superar a crise se posicionando no mercado como uma “boa empresa para se trabalhar”, rende matérias em revistas especializadas, porém não resolve a questão basilar da perda de talentos.

O RH tem que se reinventar; mudar as estratégias descritas em

bolorentos quadros de carreiras, regras de sucessão, planos de recompensas que estimulam a competição e tornam venenoso o ambiente das empresas. Estes planos, o máximo que conseguem é incentivar as pessoas a silenciosamente desistir de trabalhar nelas. Garimpando na Internet, se encontra a informação de que até na poderosa e fecunda China há um termo, tǎngzhe: “Fique deitado, mas não deixe que o chefe perceba”. Os talentos debandam em busca de melhores condições de trabalho. Ao tentar ser uma marca empregadora as empresas erram ao investir em marketing ou no aumento das compensations ao invés de se guiarem para o relacionamento interpessoal, olvidando que o RH cuida sim de recursos, mas que são, na sua essência, humanos.

O Instituto Gallup entrevistou 15 mil trabalhadores dos Estados Unidos; 50% deles declararam que desempenham suas funções, mas não estão nem um pouco comprometidos com que produzem ou com a satisfação dos clientes. No Brasil, conforme estudos da HSM, muitas pessoas, conquanto insatisfeitas com seu emprego, se acomodam preferindo a segurança do seu salário no final do mês. Há algo mais preocupante para as empresas: muitos empregados não dão valor aos salários regulares, benefícios e outras compensações e se demitem. Diz o Banco Golden Sachs que: “Nos Estados Unidos a falta de bons trabalhadores pode ser um fenômeno em longo prazo”.

No Brasil, segundo alguns institutos de pesquisa, no começo do ano mais de meio milhão de pessoas se demitiram espontaneamente em um único mês. Não parece razoável quando as taxas de desemprego alcançam escandalosos dois dígitos. Como explicar o paradoxo? Não é fácil encontrar estatísticas a respeito, pois não costumam ser publicadas por se tratarem de informações sigilosas das empresas. Todavia, um observador atento e experiente com trânsito entre executivos de RH, encontraria algo inquietante: os quiet quittings, ou tǎngzhe da China, são os medíocres ou acomodados.

A great resignations é fenômeno que medra entre os mais capazes, pois eles não encontram razão para permanecerem em uma empresa tóxica e não se sensibilizam com as compensations, ainda que pareçam estimulantes sob a perspectiva de mais bônus, mais prêmios. Esta compensação não é suficiente para que aceitem as pressões para cumprir metas do KPI-Key Performance Indicator cada vez mais perversas, a competição dissimulada de empreendedorismo. Não se entusiasmam por “vestir a camisa” de uma best company to work, por mais que a empresa se esforce para figurar nas primeiras posições no ranking das employer brandings. O que estimula os talentos são desenvolvimento pessoal – nada a ver com carreira –, propósito de vida, autorrealização, reconhecimento, ambiente de trabalho amigável. Aliás, Maslow já ensinava isso há décadas.

Por volta dos Anos Setenta do século passado, influenciados pela Teoria Geral dos Sistemas, o RH se fragmentou para ser eficiente – na terminologia da época – nas funções de suprimento, aplicação, desenvolvimento, compensação etc. Eram releituras do velho Taylor, temperado com Weber e lubrificado por Elton Mayo. As estratégias de RH reduziam as pessoas a recursos se esquecendo de que eram humanos, diferentes das engrenagens das máquinas ou peças intercambiáveis medidos em custos a serem controlados.

Dave Ulrich, um clássico na gestão estratégica de RH, cunhou o termo human resources champion. Assim como os nobres nos embates medievais colocavam seus campeões para lutar por eles, o RH seria quem defenderia as pessoas nas empresas, lutaria por elas. Não era uma utopia paternalista, considerava que os trabalhadores eram o mais importante fator na criação da riqueza, realmente responsáveis pela agregação do valor ofertado aos clientes. O planejamento estratégico das empresas começava com desenvolvimento do Capital Intelectual. Este era constituído pelas pessoas, sua capacidade de criação e inovação aplicadas na melhoria dos processos, satisfação dos clientes e, consequentemente, melhores resultados financeiros. Colaboradores e acionistas unidos e felizes para sempre.

O mundo vive desde os Anos Setenta do século passado uma crise de humanismo. Tudo começou com as mais nobres intenções das estratégias de TQM-Total Quality Management. Deming instrumentou o Japão para seu grande sucesso no pós-guerra. Influenciou os investimentos do RH das empresas ocidentais a privilegiarem o compromisso das pessoas e a construção de times competentes e colaborativos vinculados à alta qualidade dos produtos e serviços para clientes satisfeitos e fidelizados.

Talvez não fosse o que o ilustre Toyota aspirava, porém o Toyotismo tirou o ser humano do centro das preocupações das empresas. Replicou as velhas políticas tayloristas da impessoalidade e controles centrados na redução de mão de obra, imposição de metas cada vez mais altas a cada ciclo produtivo, recompensas de prêmios e bônus individuais vinculados ao que apelidam de “remuneração por resultados”, instalação de cultura valorizadora da competição alcunhada de meritocracia. E, lamentavelmente, o RH deixou de ser o campeão dos recursos humanos, rodando falso em uma engrenagem sem sentido.

O CEO, presidente e seus altos executivos, corretamente, estão preocupados com o fluxo de caixa, preço das ações na bolsa, capital de giro, recursos para novos investimentos, participação no mercado, vendas, reclamação dos clientes, margens, falta de matéria prima, falhas no processo produtivo, uso mais eficiente da tecnologia. Cobram melhores índices relacionados à evasão dos talentos, aumento da produtividade, absenteísmo. O RH precisa colocar a cultura da organização nesta lista!

Humanismo Extremo é o novo sucesso mundial de Tom Peters, um dos mais influentes gurus de estratégia e excelência organizacional. Citação obrigatória em reuniões de planejamento e solenemente desprezada na prática da gestão. Diz ele que seu livro é “Um último brado, um eu fiz o que pude!” Propõe aos gestores setenta e cinco tarefas para reavivar o humanismo organizadas em quinze temas. Uma excelente exortação, impossível não aderir, porém é justa a pergunta: “Como transformar a Cultura, se a Cultura não permite a transformação?”

O prefácio do livro de Tom Peter é de um brasileiro, Roberto Tranjan, autor de uma dezena de livros sobre educação corporativa e transformação cultural das organizações. Pesquisando perto de uma centena de empresas e dezenas de milhares de empregados, executivos e suas relações com os clientes, confirmou uma hipótese de que o sucesso de uma empresa não é mais bem traduzido pelas tradicionais métricas financeiras, vendas, produtividade ou pesquisas de clima; as métricas da cultura são as determinantes. Podem ser mensuradas e administradas duas variáveis: o quanto os clientes estão fidelizados e o quanto os colaboradores estão comprometidos.

Os resultados de uma empresa são obtidos com a aplicação inteligente dos seus capitais e os bons gestores trabalham para ampliá-los. O Capital Financeiro sempre foi o mais óbvio. Há alguns anos o conceito de Capital Intelectual foi difundido. Era calculado pelo número de patentes, conhecimento dos clientes, prestígio e outros mais ou menos intangíveis. Os antropólogos costumam utilizar uma metáfora para explicar cultura: “Um peixe só percebe que vive na água quando é retirado dela”. A Cultura é constituída pela excelência das relações.

O Capital Relacional não é captado pelas métricas tradicionais, entretanto pode ser medido pelo conjunto dos relacionamentos. Só quando há uma crise com a perda de um cliente importante, queda do marketing share, uma greve, evasão dos talentos, incapacidade das lideranças em inspirar seus subordinados a empresa se dá conta de que não administrou bem suas relações com os clientes e com os colaboradores.

Uma empresa é tão mais próspera quanto mais humanamente administrar seu Capital Relacional. Tranjan propõe que clientes e colaboradores têm o que ele identificou como oito súplicas, e que são essencialmente as mesmas. Elas podem ser medidas e controladas, não esporadicamente, mas continuamente da mesma forma como são gerenciados o fluxo de caixa, evolução das vendas ou perdas e ganhos diários dos processos produtivos. Quanto mais harmonia existir entre as medidas de fidelização dos clientes e do compromisso dos colaboradores, mais robusto é o Capital Relacional, mais humanizada é a gestão, mais efetiva a sua Cultura, mais elevados os níveis da excelência.

O planejamento estratégico dos recursos humanos não pode e não deve deixar de contemplar suas atribuições clássicas pautadas à visão do negócio, aplicação da tecnologia, ser agente de desenvolvimento das competências, bem como às clássicas voltadas à atração, desenvolvimento e sucessão dos talentos; e, nas empresas conservadoras, às rotinas trabalhistas.

As áreas de RH precisam se transformar para definir estratégias eficazes frente aos desafios contemporâneos relacionados à compreensão de o quanto a Cultura da empresa está sendo capaz de dar conta das novas condições econômicas e sociais, das novas concepções de vida dos talentos, da onda humanista. Por enquanto alerta de acadêmicos socialmente comprometidos, mas que desabará como um tsunami sobre as empresas que não se prepararem para ela.


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