AFINAL, O QUE É CULTURA NAS EMPRESAS?

Em todas as empresas há sempre um casal de bodes-espiatórios responsabilizados por tudo o que impede qualquer aperfeiçoamento, atrapalha as mudanças, explica os erros e perdoa os reacionários. Ela atende pelo nome de cultura, ele pelo de clima e ambos têm amizade com uma comadre, a mudança.

Mal sabemos o que querem dizer cultura e clima, porém temos a convicção de que precisamos mudá-los. Como não é tarefa fácil, talvez comecemos por tentar medi-los, de preferência através de pesquisas que depois serão desprezadas. Os diretores que as encomendaram não concordam com seus resultados, pois os pesquisadores não levaram em conta a cultura da empresa; ou por que sua divulgação iria afetar o clima, que já não está bom... E tudo fica como sempre esteve.
Não pretendo aqui ensinar ciência, quero apenas descortinar certos fenômenos antropológicos que acontecem na empresa, discutir por que eles são o que são e por que apanhamos feio quando tentamos enfrentá-los. Vamos começar com a palavra fenômeno; ela não está aí por acaso. Fenômeno é algo que aparece. Nós sabemos que existe, podemos descrevê-lo tal como é visto, antes das análises e interpretações.



Se você estiver lendo apressado, volte ao parágrafo anterior. Não estou citando o filósofo Edmond Husserl só para mostrar erudição. Clima e cultura são fenômenos.
Um diretor que demora um mês para tomar uma decisão é um diretor que demora um mês para tomar uma decisão. Explicar o por quê ele faz isso é uma abstração, uma troca da realidade pela preferência teórica de quem a está interpretando. Entretanto, é uma expressão da cultura, afeta o clima e todos pelejam para que isto mude.

Não deixe a diretoria saber disso, mas há uma forte probabilidade de as conclusões de sua última pesquisa de clima refletir muito mais o que havia na cabeça do pesquisador do que a realidade da empresa. Já que alguns milhares de dólares foram gastos nesta ilusão, pelo menos economize outros milhares evitando programas de enriquecimento de cargo para mudar de algo que não é real para alguma coisa que não existe. Entretanto, não seja pessimista, mais alguns parágrafos e veremos como lidar com isso.

Fidel Castro, Lee Iacocca, Bill Gates e Al Capone são exemplos de heróis civilizadores. Em passados momentos eles conduziram sua tribo nas lutas. Enfrentaram as hostes contrárias, fossem a polícia federal ou Henri Ford II, e começaram a fazer as coisas do seu jeito. O que deu certo para combater o inimigo é imitado por toda a tribo. Quem não aprovar os novos costumes tem seu pescoço cortado. Nas tribos selvagens literalmente e nos escritórios modernos através do downsizing.

Internamente são usados símbolos totêmicos de adesão aos costumes: barbas compridas, modelos de gravata ou marcas de caneta. Não ficaria bem ter na sala de reuniões os crânios dos concorrentes vencidos, mas colocamos nas paredes outros totens, objetos de culto e ostentação de nossas forças.
Exibimos a foto aérea da nova fábrica e gráficos das vendas crescentes; esparramamos pelas paredes quadrinhos com frases de exortação; enfileiramos os retratos dos presidentes em lugar de honra e deixamos à vista a placa da melhor-empresa-do-ano outorgada por uma revista de negócios.

Com o passar dos anos, histórias são contadas sobre a artimanha que o herói civilizador usou para ganhar uma concorrência difícil, sua frase que desmontou um político arrogante e sua coragem ao enfrentar um piquete de grevistas. Se são mentiras ou exageros não importa; são a cultura e passam a ser verdades que, em forma de lendas, valorizam e ensinam o jeito correto de agir.

Em tempos remotos comemorou-se no final do ano o salto das vendas e dos lucros. Houve uma festa da vitória. Hoje, as vendas estão caindo e nada de lucro, mas a festa continua sendo feita. Nem os contínuos gostam de ir, mas ninguém tem coragem de contestar o ritual. Nas convenções de vendas das mais austeras empresas, o ritual permite liberar as bebidas alcoólicas e garotas de mini-saia recebem os executivos na porta do hotel, mas no resto do ano o ritual manda todos usar ternos cinza e, máximo de ousadia, blazer azul-marinho com calças bege. Os diretores se encontram para nada decidir todas as segundas-feiras pela manhã; é proibido contratar pessoas sem consulta à matriz; de julho a outubro a empresa se envolve na elaboração do orçamento do próximo ano e quando a esposa de um gerente tem bebê recebe um maço de flores com um cartão assinado pela mulher do presidente.

A cultura é um sistema de interações entre fenômenos: a existência de heróis, respeito a certos costumes, culto a totens comuns, crédito nas lendas e participação em rituais.  Dentro deste espaço cultural, que torna cada empresa única, as pessoas encontram conforto, segurança, sentem-se livres de ameaças e acreditam que estão em melhores condições do que em qualquer outro lugar.

__________________________________________________________
Trecho da palestra de Mário Donadio no Congresso Latino Americano de Estratégia em Córdoba, Argentina.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito obrigado por seus comentários; as dúvidas serão respondidas em seguida..