Matemos o Vampiro 01-TOURAINE

Não é mole a vida de vampiro: trabalhar em uma torre; ser temido por todos; poder sair somente à noite; ter que existir à custa do sangue que suga dos aldeões que para ele trabalham. Exatamente igual a de um executivo nestes tempos de globalização. Vampiros têm uma vida  sexual muito complicada: poucas fêmeas chegam ao topo da hierarquia; quando o fazem, aparecem em capas de revistas. Porém, ao virar vampiro, nada as distingue dos colegas machos, nos hábitos, na alimentação e nas atitudes. Liderança é outro problema muito sério. Ninguém gosta de oferecer seu pescoço a um chefe. Os vampiros são treinados a motivar os aldeões a freqüentar seus castelos e ficar por lá até que, anêmicos, sejam substituídos. Dizem literalmente que a “empresa precisa de sangue novo” e praticam rituais satânicos para fazer isso.

Reengenharia foi o nome de um dos últimos.  Há anos houve uma escassez de aldeões e um castelo era tanto melhor quanto mais deles estocados. Então foi decretada a globalização. Para apoiá-la, moderna tecnologia garante que sempre é possível  transfusões entre diferentes castelos, por mais distantes que estejam. Milhares de aldeões foram eliminados junto com alguns vampiros sem empregabilidade. Meritocracia é o nome dado quando sobrevivem aqueles mais capazes, sacralizados em textos de bruxos muito espertos, pois escrevem nos livros somente aquilo que  interessa ao Grande Mestre. Atualmente o trono é de Liberdrácula que reinou no século XVIII e ressurge implacável. Não podemos subestimá-lo: tem poções tão poderosas ao ponto de fazer todos se iludirem que suas idéias velhas são inovadoras e as inocula a cada pescoço mordido, fecundando seguidores.

Um vampiro pós moderno perdeu o referencial cultural; de seu país de suas crenças e de seus valores. Diria Touraine – filósofo  francês – que  ele é um plágio da libertinagem aristocrática da revolução industrial, fascinado pela tecnologia e concepção narcisística do poder, enclausurado no presente perpétuo que chama de mudança, mas que, na verdade, suprime o espaço temporal que permite construir a unidade da cultura. Esquizofrênico, seu projeto de vida cindiu-se, pois se separou do conjunto histórico onde foi formado e não consegue – desde quando ungido executivo globalizado – libertar-se de que seja definido senão pelo que quer a empresa, escrava da religião do mercado. Nas torres ventiladas do castelo dizem ao seu lado humano para ser empreendedor, exigem-lhe a competência, pedem que tenha espírito de equipe e respeite os aldeões. Nas masmorras escuras da empresa pós moderna deve manter eretos os caninos da competitividade, agir com obediência pusilânime e egoísmo selvagem da lei do mais forte. A este lado vampiro precisamos ferir o coração, não com uma estaca de madeira, que mate o homem, mas encharcando-o de ética, trazendo-lhe a luz da crítica e da informação.


2 comentários:

  1. Oi Mario. Seu texto foi start para que eu fosse buscar entender, o que faz com que os Aldeões aceitem serem estocados nos castelos dos vampiros. Achei um texto de uma tal de Angela Ganem, da UFRJ, certamente do PSDB, que explica os autores que precederam Adam Smith ( o da mão invisivel .rss) nas explicações sobre a organização social. O link é http://www.ie.ufrj.br/revista/pdfs/adam_smith_e_a_explicacao_do_mercado_como_ordem_social.pdf e se vc tiver saco, dê uma olhada. Eu vou tentar ler até o fim. Depois quero continuar a falar sobre seu texto.

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  2. Ahh ... achei a idéia muito legal. Já que não conseguimos falar dessas coisas tomando vinho, vamos pelo menos tentar digitalmente. Abração.

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